Tem, no suplemento Paladar, do Estadão, uma sessão que se chama Desafio ao Chef: são propostos a um chef alguns ingredientes (muitas vezes bastante exóticos e estranhos entre si), e ele precisa inventar uma receita a partir de todos eles. Pode acrescentar outras coisas, também, mas tem que utilizar todos aqueles que lhe foram propostos como principais. E tem que ser uma receita inédita.
Houve um desafio que transformou cupim, avocado, maxixe e cebolinha em um saboroso "Cupim ao molho de cabernet sauvignon e purê de avocado"; outro fez dos quatro ingredientes sugeridos (flor de abóbora, pistache, ricota e arenque) um très chic "Cannolo de ricota e pistache, creme de flor de abobrinha e aspic de arenque defumado".
Mas não é de culinária (ou somente de culinária) que eu quero falar! Quero pensar no desafio ao chef como metáfora para a vida: somos nós, também, desafiados com "ingredientes" oferecidos pela realidade de quem somos, pela própria experiência, pela nossa história. Muitas vezes, ingredientes "exóticos e estranhos entre si".
É isso que se é, é isso que se tem... o que fazer com isso? Em que transformar? O que construir?
Como os chefs que participaram da proposta do suplemento Paladar, a regra no desafio da vida é que não se pode negar o que se tem. Não adianta pensar que seria melhor se fosse... daquele outro jeito, sem essa ou aquela característica nossa que preferíamos que não existisse. Não adianta se ater ao fato de que tal ingrediente não combina com o resto, ou estraga o prato.
Muitas vezes ficamos nos questionando os porquês. Lamentamos não ser como o outro. Não ter o que o outro tem. Temos admiração e inveja do outro, frente ao qual nos sentimos diminuídos. Não por alguma atitude dele, mas por causa do nosso próprio modo de ver as coisas. Perguntamo-nos por que não nos foi dada tal sorte... e ficamos estanques.
Muitas vezes queríamos "arrancar" de nós certo jeito de funcionar que nos atrapalha muito. "Se não fosse por isso... eu poderia crescer!", pensamos. E ficamos lutando para eliminar o indesejado por completo, pela raiz.
Qual o segredo dos chefs? Como fazer sentido e dar um nome a uma receita feita com ingredientes que nos são dados? E como fazer com que a receita seja gostosa e interessante? Antes de mais nada, os chefs consideram os ingredientes que têm! Não se questionam nem se lamentam: "por que me deram justo esses ingredientes?!" Pensam: COMO vou utilizar o que eu tenho para fazer algo legal e que me deixe satisfeito?
E não pensem que eles acertam de imediato. Como na vida, a cozinha é basicamente experimental!
Cada pessoa tem seus ingredientes, suas características, seu potencial, seus recursos. Isso é único! O sucesso do resultado de cada um depende da combinação (e re-combinação) criativa dos seus possíveis. E muito da satisfação ocorre antes do prato ficar pronto: vem do prazer de cozinhar!
5 comentários:
Lia, excelente comparação entre os ingredientes culinários e a vida. Que as pessoas possam ser mais leves e flexíveis consigo mesmas e com sua alimentação!
Marcia Daskal
li e gostei...a psicologia é um mundo repleto de coisas por descobrir...
meus cumprimentos
Amei!
Que bom que gostaram!
excelente reflexão...!
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