sábado, 9 de junho de 2012

Fome e Apetite


Há, essencialmente, dois diferentes sistemas motivacionais relacionados ao comportamento alimentar: o homeostático e o hedônico. As pesquisas que nos ajudam a distinguir (e a relacionar) tais sistemas têm se multiplicado, e um grande pesquisador na área é John Blundell, da Universidade de Leeds. Ele é um psicólogo especialista em fisiologia do comportamento alimentar, e atualmente estuda, entre outras coisas, o papel da serotonina no apetite, padrões alimentares e drogas anti-obesidade.

O sistema homeostático é regulado pela fome e pela saciedade. Se a pessoa passa o dia inteiro sem comer, por exemplo, e chega em casa morrendo de fome, sua tendência é ir direto para a geladeira e comer o que estiver a sua frente, até sentir-se "cheia". Esse comer, apesar de geralmente em exagero e rápido, é "comer homeostático".

O sistema hedônico, por sua vez, é regulado pelo apetite e pelas recompensas (prazerozas) decorrentes do comer. Supondo que a pessoa acabou de almoçar, volta para a frente do computador e se depara com todo o trabalho que ainda tem por fazer. Argh! Será que vai dar tempo? De repente, sente um desejo imenso de abrir a gaveta e de pegar um chocolate que sabe que está lá. Esse é o "comer hedônico", que ocorre por causa do prazer que aquele chocolate vai trazer naquele momento. Não tem nada a ver com fome ou com regulação energética do corpo.

São dois sistemas bastante diferentes. Ou seja, as moléculas e receptores responsáveis pela fome e saciedade são diferentes daqueles responsáveis pelo apetite e recompensa.

Clinicamente falando, tal distinção ajuda a pensar no melhor tratamento para determinado paciente que, por exemplo, come demais. Se for um "comer homeostático", precisamos corrigir seu padrão alimentar para resolver a fome. Se for um "comer hedônico", talvez tenhamos que ajudar o indivíduo a desenvolver estratégias - alternativas ao alimento - de enfrentamento que apaziguarão o "sistema do prazer". Eu acabo por ter como regra geral iniciar um tratamento com a reorganização do dia alimentar, de qualquer maneira. A ajuda de uma nutricionista é importante!

É fundamental nos lembrarmos que, biologicamente, os dois sistemas são interligados, e que o comportamento alimentar pode estimular características dos dois sistemas numa mesma refeição. Ou seja, as coisas se dão de forma bem mais complexa do que parecem nos exemplos que eu dei acima. Fome e apetite agem de forma conjunta! Basta notarmos que quando com muita privação alimentar, tendemos a atacar alimentos mais calóricos e mais gostosos, se tivermos escolha. Muito difícil estar morto de fome e atacar cenourinhas, se houver um pedaço de bolo ao lado!

Em seu blog o Dr. Arya Sharma cita um pesquisa recente de Saima Malik, da Universidade de McGill, em Montreal: Malik e colegas administraram grelina (chamado de "hormônio da fome", por estar fortemente associado ao "comer homeostático") em voluntários, e usaram um aparelho de ressonância para verificar quais partes do cérebro eram ativadas em resposta a fotos de guloseimas.

A grelina não apenas aumentou a sensação de fome, como era o esperado, mas também causou um incremento na atividade do sistema mesolímbico de recompensa do cérebro! E é esse o sistema que está envolvido nos comportamentos de adicção!

Como podemos ver, mesmo a grelina, sempre tão associada à homeostase, tem também uma ação no sistema hedônico!

3 comentários:

Manu disse...

Estava pensando, tem gente que come quase que o tempo todo, e nem sabe o que é sentir fome (tipo ronco no estômago). Dá pra retreinar o sistema homeostático da fome?

Norah disse...

se entendi direito, é necessário "reeducar" o tipo de recompensa...

Lia disse...

Puxa, ótimas colocações! Há várias coisas que podemos fazer para colaborar, digamos assim, com nossos "sistemas de fome"! Dedicarei um post a isso!