Fiquei, confesso, um pouco chocada ao ler um artigo que descrevia o que havia por trás da aparência “natural” de uma espiga de milho. O autor começa: “o que representa melhor a generosidade da natureza que uma espiga de milho?” e, depois de descrever tal alimento com muitos detalhes suculentos, brinca “o milho parece um presente da natureza; já vem até embrulhado”. Porém, alerta enfaticamente em seguida, as aparências podem enganar.
Opa, pensei... em se tratando de comida, tal afirmação é especialmente um sinal de alerta. Como assim, corro o risco de não saber exatamente o que estou ingerindo?! Principalmente quando se trata de um alimento que considero, quase que instintivamente, natural... vivo em um mundo que incentiva a procura cada vez maior de alimentos ditos naturais...
O que consideramos natural? A definição mais comumente aceita é a de que algo natural é autêntico, puro, saído da natureza, e não degradado pelos seres humanos. Acabamos associando fortemente o natural ao benéfico, ao sadio. Numa pesquisa em que pessoas de vários países tinham que indicar os três primeiros termos que lhes vinham à mente quando ouviam a palavra “natural”, quase a totalidade dos mesmos tinham conotação positiva; muito mais, inclusive, que os termos utilizados quando se pediam associações para “carne” ou “comida”. Percebi, lendo o artigo, que além de eu gostar de milho, sinto-me bem comendo milho, considero-o bom para mim por ser “natural”.
Todavia, se nos prendermos ao termo “puro”, será que existem mesmo alimentos tão naturais? A realidade é que, desde antes do evento da agricultura, nós selecionamos e modificamos as plantas que comemos, ainda que involuntariamente. E o que começou como um processo involuntário de seleção tornou-se deliberado; agricultores primitivos começaram a propagar características desejáveis de propósito. Com novas tecnologias, novas descobertas, outras intervenções são feitas visando uma maior produção, tornar o produto mais atraente, ou melhorar a qualidade nutricional do alimento.
O milho é atualmente a planta cultivada que atingiu o mais elevado estágio de domesticação, uma vez que perdeu a capacidade de sobrevivência sem intervenção humana. Suas características foram tão modificadas para convir, cada vez mais, aos seres humanos, que ele não é mais viável na natureza!
O “milho ancestral” é o teosinto, um capim silvestre nativo da região que é hoje o México. É uma planta pequena, que dá de cinco a doze grãos, pequenos, que ficam protegidos no interior de invólucros duros, e que caem quando maduros. Com a intervenção humana, o milho passou a ser uma planta de um caule só, com até 500 grãos por espiga, que são expostos, e não caem. Muito diferente! E mais: o milho só pôde se tornar base principal das dietas de vários povos americanos com a ajuda de mais uma intervenção humana – baseada no tratamento com hidróxido de cálcio, que provoca a liberação de niacina (vitamina B3) do grão, que de outra forma não poderia ser aproveitada pelo nosso organismo.
Assim como o milho, o arroz e o trigo também foram transformados em gêneros mais convenientes e abundantes. E os vários tipos de couve e de brócolis são variantes da mostarda selvagem, resultados de experimentações humanas. E assim vai...
Não quero, com esta reflexão, dizer que o que é modificado ou alterado por nós, humanos, é ou não é bom. Que o milho, por ser planta domesticada, não é bom. Quero chamar a atenção, isso sim, para nossa ingenuidade frente a alguns conceitos (como o de “natural”); para o nosso desconhecimento em relação a idéias que nos motivam (idéias subjacentes, características da nossa época, da nossa cultura) e que acabam determinando fortemente as nossas escolhas alimentares.