Qual o peso que nós, profissionais da saúde, em nossa prática, colocamos na educação e nas abordagens prescritivas, visando promover escolhas alimentares mais adequadas? O quanto acreditamos que a obesidade tem mais a ver com escolhas ruins em termos de alimentação e de estilo de vida do que com genética e outros fatores biológicos?
Ou seja, o quanto atribuímos a possibilidade de mudança de comportamento a uma escolha consciente do paciente?
Estudos mostram que nutricionistas e outros profissionais que tratam de pacientes obesos julgam a "falta de força de vontade" como o fator mais importante no fracasso dos planos dietéticos para perder peso. Esta concepção não apenas é contrária à compreensão atual da complexa neurobiologia do comportamento ingestivo, como também serve para estigmatizar e frustrar os pacientes.
O termo "escolha" implica decisão consciente; tem a conotação de que os seres humanos têm livre arbítrio para decidir entre comportamentos alternativos, independentemente das forças biológicas e ambientais. Em questões alimentares, isso não é de todo verdadeiro, ou seja, há muitos fatores ambientais e biológicos envolvidos na determinação do comportamento.
Bradley Applehaus e col. da Rush University Medical Centre, Chicago, publicaram recentemente no Journal of the American Dietetic Association, um artigo bastante interessante. Eles propõem que, ao invés de pensarmos a dieta saudável como uma questão de escolhas acertadas, seria melhor basearmos nossas estratégias de aconselhamento na compreensão das motivações do comportamento alimentar, particularmente nas questões da recompensa associada à comida (que envolve o complexo circuito mesolímbico do cérebro, como nas adicções), do controle inibitório (a motivação, a impulsividade e a auto-regulação inibitória são determinadas pela complexa neurobiologia do córtex pré-frontal) e do "desconto de tempo" (refere-se ao valor aumentado das recompensas imediatas quando em comparação àquelas que vêm em longo prazo).
O reconhecimento de como tais circuitos cerebrais interagem com (e como são responsivos a) situações e pistas ambientais podem talvez permitir estratégias de aconselhamento mais realísticas e efetivas.
No artigo, os autores dão vários exemplos de possíveis estratégias.
Por exemplo, a tendência que o circuito de recompensa do cérebro tem de incentivar a ingestão de comidas altamente saborosas pode ser frustrada eliminando tais alimentos do ambiente da pessoa e evitando a exposição aos mesmos através da adesão a listas de supermercado ou a compras online.
Da mesma forma, o controle inibitório pode ser facilitado evitando-se as situações desafiadoras (como buffets) e aquelas que enfraquecem tal controle (estresse).
A tendência a preferir recompensas imediatas pode ser combatida mudando o foco para metas mais a curto prazo, ao invés de metas a longo prazo.
Várias destas estratégias são já muito comuns nas recomendações dos profissionais de saúde quando se trata de ajudar o paciente na mudança de hábitos, mas o contexto e forma com que estas estratégias são apresentadas e discutidas com o paciente são muito diferentes.
Assim, ao invés de enxergar nesses comportamentos uma questão de escolha pessoal, o objetivo do aconselhamento, segundo os autores, é o de levar os pacientes a compreender o papel de sua predisposição genética e da neurobiologia, e a partir daí a necessidade de se adotar certas estratégias.
Desta forma, são explicados os comportamentos alimentares que promovem a obesidade sem invocar falhas de caráter (como a falta de força de vontade, por exemplo), e são enfatizados os processos que conferem vulnerabilidade ao excesso alimentar num ambiente "obesogênico", evitando a criação do estigma.
Do ponto de vista do profissional, muda-se de uma estratégia que enfatiza ajudar o paciente a fazer decisões difíceis, mas necessárias à perda de peso, para outra em que se ajuda o paciente a minimizar o número de escolhas difíceis que encontram.
Será que a mudança proposta na estratégia realmente produz resultados melhores? Cabe experimentar! De qualquer forma, gosto de como os autores reconhecem o papel efetivo da biologia. Também gosto de como levantam a questão de que conceitos simplistas como os de "escolha pessoal" e de "força de vontade" estão muito longe de funcionar como estratégias efetivas.
4 comentários:
Eu me sinto mal quando percebo que o médico está me culpando de ter engordado ou não emagrecido. É muito ruim. Quando chega o dia da consulta, me sinto até constrangida,com medo de ser julgada.
Quer dizer que temos que compreender os porquês das nossas pisadas na jaca? ;)
A gente nem sabe mais o que é nossa culpa, parece que tudo é, quando se trata de comer mais do que se devia. E quanto mais culpada, mais como!
eu nem vou ver nutricionistas por causa disso, de me sentir acusada de não fazer as escolhas que elas indicam. Aquela ddieta numa folha de papel... se fosse só questão de escolha, todo mundo estaria magro.
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