sábado, 11 de outubro de 2008

Avaliação psicológica pré-cirúrgica dos candidatos à cirurgia bariátrica: considerações.

Muitos pacientes chegam cheios de resistência ao consultório do psicólogo: decididos a fazer a cirurgia da obesidade e encaminhados pelo cirurgião, temem qualquer impedimento que possa surgir durante a entrevista, qualquer veto. Dá para compreender. Essa não é, de jeito algum, uma decisão fácil. No mínimo a pessoa carrega, em incontáveis expectativas, emoções difíceis de elaborar. Para muitos, a gastroplastia é a luz no fim do túnel; é, finalmente, uma oportunidade de renascer.

A primeira coisa a ser considerada é a postura do psicólogo. Mais do que nunca se faz necessária a capacidade de compreender o paciente a partir de sua própria perspectiva, a aceitação, o acolhimento, a compreensão dos próprios preconceitos. Há trabalhos interessantíssimos sobre a determinância que tem tal postura do profissional no sucesso do tratamento de obesos, seja daqueles que vêm em busca de acompanhamento clínico para emagrecer ou daqueles que são caso de cirurgia.

A história do paciente é investigada, contada por ele. Em particular, as questões relacionadas ao peso, às tentativas anteriores de emagrecimento, a relação com seu corpo, com os outros, enfim... Falamos aqui de um levantamento de dados e, muito além disso, de um processo narrativo que ajuda a ressignificar, integrar, relacionar...

Cabe dizer que não é incomum haver um desejo tão grande de emagrecer que a questão da saúde acaba ficando, digamos assim, em segundo plano. Para o paciente parece ser óbvio que ele terá atenção com sua saúde após a cirurgia. Mas não é tão óbvio assim. Umas das expectativas que pacientes relatam é, por incrível que possa parecer, "a de não ter mais que se preocupar com o que comer, com dieta". Fazem a cirurgia, começam a emagrecer, deixam o cuidado com a alimentação saudável "para mais tarde". Afinal, prestar tanta atenção no que deve, no que não deve comer, tornou-se por demais aversivo durante tantas tentativas anteriores fracassadas. Ao se ver emagrecendo, foca-se em "curtir" a novidade.

É sabido que a cirurgia bariátrica afeta o paciente de diversas formas. Ele precisa:

  • ser capaz de lidar com as restrições iniciais na dieta,
  • acostumar-se a novos hábitos alimentares que deverão ser incorporados de forma definitiva,
  • lidar com novas sensações e experiências corporais,
  • adequar-se à mudança de sua imagem corporal,
  • adquirir novos comportamentos de cuidado de si,
  • lidar com novas cognições e sentimentos,
  • adequar-se a um diferente estilo de vida,
  • lidar com mudanças inesperadas e significativas nos relacionamentos pessoais que costumam ocorrer com certa freqüência após emagrecimento importante.
Como o paciente lidará com tudo isso? Tem ele recursos psicológicos para dar conta de tantas mudanças?

Basicamente, na avaliação pré-cirúrgica, o papel do psicólogo será o de identificar os fatores de risco psicossociais vinculados à realização da cirurgia, como a presença de alguma psicopatologia ou de atitudes e comportamentos que sabidamente complicariam o ajustamento pós-operatório. A partir de tal avaliação, vai fazer recomendações ao paciente e à equipe visando alcançar os melhores resultados possíveis com o procedimento, a curto, médio e a longo prazo. O psicólogo vai também auxiliar o paciente quanto à compreensão de todos os aspectos decorrentes do pré e do pós-cirúrgico; vai ajudá-lo a tomar decisões mais conscientes e de acordo com seu caso particular.

O psicólogo irá avaliar, na entrevista com o paciente:

  • o senso de identidade,
  • a estabilidade emocional/humor,
  • a habilidade para compreender o risco da cirurgia e para dar seu consentimento de forma responsável,
  • as estratégias comportamentais que possui em seu repertório para lidar com situações diversas e difíceis,
  • a disposição a aceitar o suporte necessário,
  • a resiliência, ou seja, sua capacidade (psicológica) de suportar o trauma cirúrgico e de lidar de forma positiva com os diversos estressores e ajustamentos associados às mudanças de estilo de vida após a cirurgia,
  • a motivação e
  • o compromisso de seguir com os cuidados de longo termo, aprender novas habilidades e aderir a um programa de estilo de vida saudável, que inclui tomar decisões acertadas em relação ao cuidado de si e à necessidade de colocar limites.
Ou seja, avaliação psicológica implica abordagem multifacetada, isto é, a abordagem da questão nas perspectivas comportamental, cognitiva e emocional, de desenvolvimento, da situação atual de vida, da motivação e das expectativas.

8 comentários:

Unknown disse...

Entendo a importância da cirurgia, mas às vezes me pego pensando que é uma manifestação dessa tal "tacocracia" que vivemos, como define Cortella: "na qual a rapidez em todas as áreas aparece como um poder quase despótico e como exclusivo parâmetro para aferir se uma situaçã, procedimento ou relação serve ou não serve, é boa ou não.

Denise Carceroni disse...

Seu post já está no Infobeso. Sua participação na campanha foi muito importante, o blog está aberto para novos posts.
Obrigada pela contribuição!

Um abraço

Profª Esp. Denise Carceroni

Lia disse...

Bem lembrado, Lourdinha! Cortella coloca muito bem quando diz que, hoje, "os desejos são direitos". Ou seja, a lógica do consumo reina! Queremos tudo pra ontem, e o esforço e a construção, que definem a vida, inclusive, são tidos como extremamente negativos.

Porém, por mais que essa ditadura da rapidez permeie, e muito, a questão da cirurgia bariátrica, não acredito que ela se resuma a isso. No caso dos grandes obesos, com diversos problemas de saúde relacionados ao peso, a cirurgia é a solução mais eficaz encontrada até hoje. Sabemos que a chance de este indivíduo perder e de manter peso por si mesmo é quase zero. Ou seja, há casos em que ela é realmente necessária.

O que ocorre para que as coisas se confundam muito é, entre outros, que se vende a idéia da cirurgia bariátrica como uma cirurgia estética, como a "solução para os problemas de quem precisa emagrecer". É muito comum pessoas com sobrepeso chegarem ao consultório mostrando um imenso desejo de operar-se. Um perigo.

Ju1986 disse...

Fazer a cirurgia melhora a compulsão?

Lia disse...

Ju1986,

num primeiro momento até melhora. Mas há diversas pesquisas mostrando que, após um tempo (em média 6 ou 8 meses) os padrões anteriores à cirurgia tendem a reaparecer. Ou seja, a compulsão volta em alguns casos. A pessoa não come grandes quantidades de uma só vez, por causa do impedimento mecânico que a cirurgia traz, mas acaba comendo várias vezes quantidades menores de alimentos bastante calóricos.

disse...

Interessante seu texto! Obrigada por compartilhar! Por favor indique bibliografias a respeito desse tema.

Patricia disse...

Lia obrigada pela contribuição, mas gostaria de saber sobre cursos nessa area e se existe algum instrumento de avaliação para maior seguarança nos resultados.

Thelma disse...

Olá! Voce poderia indicar cursos e bibliografia a respeito do tema?
Obrigada,
Thelma